Olhe nos meus olhos.
O ruído dos aparelhos respiratórios me incomodava, cada apito me fazia imaginar uma parada cardíaca e toda aquela confusão que se forma.
Desfibrilador, morfina, MONAU, mais oxigênio.
Aprendi palavras novas esses dias, palavras que não faziam parte do vocabulário de
um escritor de livros infantis.
KPC, paciente de isolamento, sonda nasogástrica, mais oxigênio.
Já não sei mais o que marca o calendário, mas o tic tac do relógio só me faz entender
que os dias não passam.
Gasometria, teste de consistências, queda de saturação, mais oxigênio.
Os enfermeiros correm, os médicos correm, a Fono me dá comida, mas ninguém olha
nos meus olhos.
Família? 1 hora por dia, mas eu não falo e eles tem deixado de vir, nem um “a” e ninguém
olha nos meus olhos.
Dosagem de magnésio, SARA, AMBU, mais oxigênio.
Eu queria música, queria as palavras nas pontas dos meus dedos, mas eu já não me
mexo, quero meus livros e o cheiro da grama recém cortada, misturado a chuva que cai.
Acidente de carro, foi imprudência, aquela pressa que eu já não posso ter, cortes e fios
permeiam meu corpo, dor, cansaço, desconforto e ninguém olha nos meus olhos.
Quantas vezes eu olhei para o relógio?
Fala comigo.
O apito.
Bradicardia, cianose, hipoxemia, nada de oxigênio...
E então olham nos meus olhos parados, dizem ser profissionais da saúde, ter empatia
e fizeram tudo o que podiam.
Hora da morte: 19:11h.
A família chora.
Disseram que eu era um homem bom, como aquele outro que agora ocupa meu leito,
naquele quarto sem alma de hospital.

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